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sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Infinito- Miniconto

 

 


 




 

 

 

Aspirei o perfume da flor. Lembrou-me teus cabelos.

Infinitos dias iguais. Hoje, sou duas em uma.

 

Lilico




 

            O orgulho do pai era mesmo Robertinho, o Lilico. O caçulinha parecia ser uma promessa, quase uma tênue esperança para o velho pai. Robertinho, com seis anos, era o craque da bola, jogava como ninguém! Nenhum dos outros cinco irmãos conseguia realizar as proezas que o Lilico fazia a cada jogo de futebol.

            Lembrava sempre a alegria e o carinho do pai ao se referir a Lilico, da emoção que havia na voz cansada ao gritar, à beira do campo: “Vai, Robertinho, lança a bola!!” O campo no qual jogavam era um terreno baldio e, muitas vezes, durante a partida ou quando o jogo estava “pegando fogo”, precisavam sair em disparada, porque o caminhão lá chegava e despejava toneladas de lixo fedorento... Apesar disso, os jogos continuavam e a plateia animada via desabrochar a cada dia um novo atleta da bola!

            Já a alma de Robertinho era tão bela quanto seus dribles no campo... Acontecera no dia em que ganhara algumas balas de um homem vestido de coelhinho, parado em frente a uma loja de doces. Levara logo as balas para os irmãos, no barraco. Chegou de mansinho, todo feliz, chamando por todos... O primeiro a aparecer foi o Robertinho... O tom amorenado da pele, os olhos escuros, brilhantes e o sorriso maroto encheram seu coração de uma súbita ternura pelo irmãozinho.

            - Que foi, Mano? Por que gritar tão alto?

            - Tome, são pra você. Guarde logo, porque as suas são bem mais. – a mão estendida mostrava as balas coloridas.

            Lilico alegrou-se, rapidamente agarrou as balas e escondeu-as no bolso do calção.

            - E pros outros, veio também? – a ansiedade no tom de voz de Lilico encheu seu coração de mais doçura pelo irmão pequeno.

            - Trouxe pra eles sim, não se preocupe!

            - Mas, então, daí as outras balas. Eu levo pros irmãos lá do outro lado da rua. Eles não ouviram o berro que você deu.

            - Certo. Pegue aqui. – quando colocou as balas na mão dele, foi que lembrou da mãe.

            - Droga, Lilico! Esqueci por completo da mãe! Não guardei nenhuma pra ela! O pai, coitado, tá bêbado, encontrei pelo caminho... Mas a mãe...

            Robertinho olhou com pena para as balas. Olhou tristemente para o irmão maior, depois meteu uma das mãos no bolso do calção e tirou de lá as balas que haviam sido dadas a ele há poucos minutos atrás.

            - Pegue, Mano! Eu não preciso delas! Uma bala ou nenhuma, que importa! Leve as minhas pra mãe, ela merece mais, né?

            Havia maturidade naquele gesto de abnegação; havia amor naqueles olhos negros. Positivamente, Lilico era muito especial! Aquela cara morena não pertencia a um garotinho tão novo.  Sentiu os olhos arderem ao recolher as balas que Robertinho lhe estendia.

            - Lilico... eu vou conseguir mais balas pra você. Prometo!!

            Ele sorriu, depois foi se afastando devagarinho:

            - Sei disso, Mano. Você é bom. Agora leve as balas pra mãe e não diga que eu fiquei sem nenhuma. Não fale nada!

            “As lágrimas banharam não apenas meu rosto, mas inundaram minha alma.”

             Lilico olhou-me, mais uma vez, sereno:

            - Um dia, Mano, haverá muitas balas. Pra todos.







Meu poema em destaque

Poema selecionado "Brumas"

  Poema selecionado Revista Bsrbante abril 2024