O presente
- Minha filha, seu presente!
Eu aceitava com calor e louvor o presente a mim dedicado. Segurava-o entre meus dedinhos, apertando contra o peito, amorosamente, aquela relíquia. Não abria logo. Queria saborear o mistério de sonhar com o conteúdo do pacote enfeitado.
Pensava: abrir rápido, pra quê? Perdia o encanto! Precisava pensar em mil coisas que ali existiam... Porém, rezava só por uma...
Dobrava, esmagava o presente colorido de fitas esvoaçantes e suspirava. Quase uma dor! Claro, era meu, ora...
Então, aquela voz adulta e fria rasgando toda magia...
- Abra logo, “queridinha”!
Olhando o pai do alto dos meus cinco anos, queria responder, furiosa:
- Não!!! – enroscava-me junto ao embrulho. A ânsia de escondê-lo e esconder-me também.
Bati o pezinho delicado. Só ia abrir quando a imaginação se esgotasse. Novamente, a pressão:
- Abra logo, você já sabe o que tem aí! Por que tanta demora?
O pedido me feria. Não entendiam a magia? É preciso sonhar, imaginar, fantasiar!
Adultos de alma cinzenta - pensei, emburrada.
- Vamos, menina, abra de uma vez este presente! Chega de fazer manha!!
Cabeça baixa. Poeira no encantamento. Meus dedinhos ingênuos despedaçando o momento. Pedaços de papel gemendo despedida. Fantasia morta! Assim de vez?
Finalmente, em minha mãos, o presente nu: o livro almejado. Fruto do mistério.
Nada me impediria de sonhar, agora... Nada!!
* Conto publicado na Revista Barbante/fevereiro de 2021