CANÇÃO
“De borco no barco. (de bruços no berço...)
O braço é o barco. O barco é o berço. Abarco e abraço o berço e o barco. Com
desembaraço embarco e desembarco. De borco no barco. (de bruços no berço...)”.
Através da leitura e do trabalho com poemas, em nossas escolas, ofertamos
aos alunos a inigualável capacidade de sonhar: evocar situações já conhecidas,
“quebrar” com a rotina das mesmices da arte de educar, propor à criança
atividades que motivem a sair do “trivial” e abraçar o “irreal”...
Partindo dessa reflexão, tomamos como base o belíssimo e nostálgico poema
“Canção”, de Cecília Meireles. O título já é bastante sugestivo e logo nos
surgem imagens povoadas de lirismo e acalanto: nossas mães embalando-nos
suavemente nos braços, ninando-nos amorosamente; o breve e suave murmúrio de
seus lábios mansos, produzindo o som levíssimo de uma cantiga de ninar. A
poetisa relembra, em seu poema, a nostalgia, o sonho e a suavidade do ato de
embalar. Tudo isso vem justificado pelo ritmo cadenciado, embalador, com versos
que possuem acentos nas mesmas sílabas: “de
borco no barco (de bruços no berço)”.
Dessa forma, temos a presença da musicalidade, como se o embalo ganhasse
vida em cada verso. É como se ouvíssemos, sentíssemos em nossa alma o ritmo de
um embalo doce, meigo, quase oscilante... No jogo de palavras, brinca a
poetisa, fazendo dos braços imaginários o barco a navegar; fazendo do próprio
barco, o berço a balançar... Desse jogo interessante misturam-se e
entrelaçam-se palavras do universo conhecido do espírito infantil: braço/barco;
barco/berço. As imagens são fortes, vívidas, embaladas ao ritmo da canção.
Assim, no poema “Canção”, existe um eu
que expressa o estado da alma: a lembrança, o sentimento de nostalgia,
recordação de uma época de meninice, os embalos nos braços da mãe... Os embalos
do berço a balançar... São lembranças, saudades, do abraço, do berço, da ação
de abraçar, aninhar-se, um total “embarco” e “desembarco” do berço da infância.
Então, a melodia que soa, a voz que sussurra, o ritmo que acaricia, nina,
sustenta... “Doces saudades da infância!”.
Texto publicado na Revista Entrelinhas - Curso de Letras - Unisinos