quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Desolação - Conto

 





Na estrada coberta de poeira, a vegetação esparsa pintava com suas nuanças um quadro desolador. Por lá, muitos peregrinos passavam, em idas e vindas constantes, o suor escorrendo por suas testas morenas e bronzeadas. O sol inclemente fustigava cada planta e, às vezes, rompia-se algum caule, cansado da tortura dos raios solares. Por aquelas paragens, o verão era escaldante e o inverno, úmido e chuvoso, carregava em suas águas as memórias das agonias sofridas.

No meio de cada capim, cada moita de vegetação, os suspiros de angústia enchiam as tardes ensolaradas. Muitos pediam compaixão a algum viajante para, com ele, seguir adiante. Quem sabe, um deles não lembraria de arrancá-los e depositá-los em seus vastos alforjes à sombra finalmente? Mas corriam os dias, meses, anos e nada acontecia, apenas a poeira impregnava cada curva do caminho, a secura deixando feridas sangrentas no solo quase desértico. Muitas árvores de pequeno porte não tinham resistido e sucumbiram ao calor abrasante. Todavia, os arbustos e as moitas de capim que ainda se erguiam representavam a dureza do desafio contínuo à selvageria do dia a dia.

E, colada ao capim poeirento e opaco, como se protegida por seres alados, uma singela flor vicejava. Estava encolhida, porém escondida dos raios intensos do sol causticante. Esperava, também, a longos anos, pela chegada de alguém. Seria um viajante especial, vindo além do arco-íris, que a arrebataria do solo seco e desprovido de encanto para levá-la ao doce paraíso de novas ternuras. Quem sabe, a plantaria em solo fecundo, de terra fofa, num belo jardim, junto a novas flores multicores? Ou, então, a colocaria em um bosque perfumado, visitado por anjos celestiais?

Enquanto transcorriam os dias, impiedosos na sua vastidão, a flor sonhava com esse dia mágico. Um dia entre tantos outros de sua existência, porém único na vida bruta e desesperançada que levava. Muitos capins, já duros e retraídos pela idade, zombavam de sua ingênua esperança. Escondida como estava, riam ao vê-la sonhar em ser descoberta. O vento trazia até ela as gargalhadas irônicas da vegetação e o som misturava-se ao pó que se colava às pedras e às folhas sem ânimo. Tudo ao redor parecia esmagar as esperanças da flor: a paisagem escurecida pelo calor inclemente e pegajoso, esse mesmo calor que amolecia as folhas verdes recém-nascidas e endurecia ainda mais os capins e arbustos; o desdém de que era alvo pelas outras plantas e, ainda, a maldade que havia criado asas naquele lugar tão ressecado de alegrias... Todavia, sua fé era tão pulsante que ela resistia, frágil na aparência, resistente em seu âmago.

         E foi, em certa manhã, quando os raios solares despendiam chamas ardentes sobre as plantas sonolentas que uma caravana se fez visível na imensidão. Eram homens rudes e humildes, viajantes designados a acompanhar alguém especial. Marchavam vigorosamente, roupas empapadas pelo suor que lhes grudava na pele, olhos tingidos por uma luz indecifrável. Entre eles, destacava-se um homem alto, tez mais clara e, ao contrário dos demais – todos de olhos escuros como o breu da noite-, dono de pupilas quase douradas como o amanhecer. Vinha, tranquilamente, sem se deixar abater pela aragem sufocante ou pela secura da paisagem que os circundava.

Subitamente, afastando-se dos que o acompanhavam, estacou e olhou ao redor com atenção. Deixando os demais homens atônitos com sua atitude, abandonou, calmamente, a estrada pedregosa em que seguiam e adentrou por entre os capins e arbustos. Rápido, mas com determinação, procurou afastar com as mãos uma touceira de capim. Porém, o capim não cedeu, mantendo-se firme no propósito de esconder algo muito próximo de si. Mas o Homem não desistiu, com ternura afastou o capim que teimava em  se fechar orgulhosamente...

Então, num raro momento de beleza, eis que surge a formosa flor, semelhante à pérola incrustada na concha endurecida. Com infinita delicadeza, ele a arranca da terra despida de aconchego. As pétalas agitam-se, aprovando o gesto delicado e sublime. Levando-a até os outros homens, agora silenciosos, guarda a flor em um grande bolso na túnica listrada. A aveludada flor sabe que, enfim, haveria um lugar para ela no jardim que tanto sonhara! Sua longa espera não fora em vão... A caravana seguiu, passo a passo, enquanto mais um dia se despedia no horizonte...  Um dia como tantos outros dias... mas único na vida de uma flor...

 

 

 

 

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