Na estrada coberta de poeira, a vegetação esparsa pintava com suas
nuanças um quadro desolador. Por lá, muitos peregrinos passavam, em idas e
vindas constantes, o suor escorrendo por suas testas morenas e bronzeadas. O
sol inclemente fustigava cada planta e, às vezes, rompia-se algum caule,
cansado da tortura dos raios solares. Por aquelas paragens, o verão era
escaldante e o inverno, úmido e chuvoso, carregava em suas águas as memórias
das agonias sofridas.
No meio de cada capim, cada moita de vegetação, os suspiros de angústia
enchiam as tardes ensolaradas. Muitos pediam compaixão a algum viajante para,
com ele, seguir adiante. Quem sabe, um deles não lembraria de arrancá-los e
depositá-los em seus vastos alforjes à sombra finalmente? Mas corriam os dias,
meses, anos e nada acontecia, apenas a poeira impregnava cada curva do caminho,
a secura deixando feridas sangrentas no solo quase desértico. Muitas árvores de
pequeno porte não tinham resistido e sucumbiram ao calor abrasante. Todavia, os
arbustos e as moitas de capim que ainda se erguiam representavam a dureza do
desafio contínuo à selvageria do dia a dia.
E, colada ao capim poeirento e opaco, como se protegida por seres alados,
uma singela flor vicejava. Estava encolhida, porém escondida dos raios intensos
do sol causticante. Esperava, também, a longos anos, pela chegada de alguém.
Seria um viajante especial, vindo além do arco-íris, que a arrebataria do solo
seco e desprovido de encanto para levá-la ao doce paraíso de novas ternuras.
Quem sabe, a plantaria em solo fecundo, de terra fofa, num belo jardim, junto a
novas flores multicores? Ou, então, a colocaria em um bosque perfumado, visitado
por anjos celestiais?
Enquanto transcorriam os dias, impiedosos na sua vastidão, a flor sonhava
com esse dia mágico. Um dia entre tantos outros de sua existência, porém único
na vida bruta e desesperançada que levava. Muitos capins, já duros e retraídos
pela idade, zombavam de sua ingênua esperança. Escondida como estava, riam ao
vê-la sonhar em ser descoberta. O vento trazia até ela as gargalhadas irônicas
da vegetação e o som misturava-se ao pó que se colava às pedras e às folhas sem
ânimo. Tudo ao redor parecia esmagar as esperanças da flor: a paisagem
escurecida pelo calor inclemente e pegajoso, esse mesmo calor que amolecia as
folhas verdes recém-nascidas e endurecia ainda mais os capins e arbustos; o
desdém de que era alvo pelas outras plantas e, ainda, a maldade que havia
criado asas naquele lugar tão ressecado de alegrias... Todavia, sua fé era tão
pulsante que ela resistia, frágil na aparência, resistente em seu âmago.
E foi, em certa manhã,
quando os raios solares despendiam chamas ardentes sobre as plantas sonolentas que
uma caravana se fez visível na imensidão. Eram homens rudes e humildes, viajantes
designados a acompanhar alguém especial. Marchavam vigorosamente, roupas
empapadas pelo suor que lhes grudava na pele, olhos tingidos por uma luz
indecifrável. Entre eles, destacava-se um homem alto, tez mais clara e, ao
contrário dos demais – todos de olhos escuros como o breu da noite-, dono de
pupilas quase douradas como o amanhecer. Vinha, tranquilamente, sem se deixar
abater pela aragem sufocante ou pela secura da paisagem que os circundava.
Subitamente, afastando-se dos que o acompanhavam, estacou e olhou ao
redor com atenção. Deixando os demais homens atônitos com sua atitude, abandonou,
calmamente, a estrada pedregosa em que seguiam e adentrou por entre os capins e
arbustos. Rápido, mas com determinação, procurou afastar com as mãos uma touceira
de capim. Porém, o capim não cedeu, mantendo-se firme no propósito de esconder
algo muito próximo de si. Mas o Homem não desistiu, com ternura afastou o capim
que teimava em se fechar orgulhosamente...
Então, num raro momento de beleza, eis que surge a formosa flor, semelhante
à pérola incrustada na concha endurecida. Com infinita delicadeza, ele a
arranca da terra despida de aconchego. As pétalas agitam-se, aprovando o gesto
delicado e sublime. Levando-a até os outros homens, agora silenciosos, guarda a
flor em um grande bolso na túnica listrada. A aveludada flor sabe que, enfim,
haveria um lugar para ela no jardim que tanto sonhara! Sua longa espera não
fora em vão... A caravana seguiu, passo a passo, enquanto mais um dia se
despedia no horizonte... Um dia como
tantos outros dias... mas único na vida de uma flor...