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sexta-feira, 25 de junho de 2021

Os olhos da menina - conto selecionado



“Lembro-me de um episódio da minha infância, de um momento eterno,

  perdido no espaço-tempo...

um momento que  me modificou por completo...

 Eu era um menino apenas... ela... uma menina apenas...

mas o brilho que   havia em seus olhos acompanhou-me

por toda a  vida... a luz perene da alma dessa menina

não se extinguiu nem mesmo com a morte...”

 

 

            O dia pintava tons azuis. Flores perfumadas pontilhavam as alamedas verdejantes do parque infantil.

            A bola colorida pareceu surgir do nada – pássaro veloz – enquanto o grito abafado de uma menina cortava o ar morno da manhã ensolarada.

             O menino loiro saltou peralta e, com um único movimento flexível, agarrou o brinquedo antes que viesse a fazer novas vítimas. Com a bola bem segura embaixo do braço, já ia se afastar, quando a figura da menina – aquela em que a bola batera – chamou-lhe a atenção. Sentada no gramado, à sombra de uma árvore frondosa, ela folheava um livro: silenciosa, solene, concentrada... e linda!

            De repente, porém, a insegurança: devia pedir-lhe desculpas? Claro, a menina era linda. O tom amorenado da pele, os cabelos escuros... bela por demais! Esboçou um movimento de recuo e, justo naquele momento, a garota levantou os olhos do livro – olhos de um negro véu – e fixou-os nele. Depois, sorriu... Deus, o sorriso de uma deusa! – pensou, fascinado por ela

            - Oi. - ela falou de maneira simples.

            - Oi. – respondeu, ainda com a disposição de ir embora, pronto para desaparecer... No entanto, algo o prendia ali, perto dela.

            - A bola machucou você?

            Novamente, o mesmo sorriso...

            - Não, só me assustou.

            - Como é seu nome? – droga, por que lhe interessaria o nome dela?

            - Laura.

            - Mas...  Laura não é nome de menina branca? – arrependeu-se no mesmo instante. Dissera a maior besteira, isto sim!

            A menina balançou a cabeça, toda enfeitada de tranças. Um balançar suave e reconfortante. Quase um consentimento.

            - Meus bisavós vieram do Continente Africano. Eu e meus irmãozinhos nascemos em terras brasileiras. Mesmo assim, minha família tem um orgulho muito grande de suas origens. – ela lhe deu uma explicação que não pedira. Em seguida, silenciou.

            Então, ele entendeu o quanto fora tolo e preconceituoso! A resposta doce da garota mostrava o erro que cometera! Envergonhado pelo que falara, não sabia como romper o silêncio. Queria, na verdade, era fugir dela. As palavras, porém, escaparam com certo desespero...

            - Perdoa-me?

            Mais uma vez aquele sorriso... com uma certa ironia, desta vez.

            - Só se você me falar o seu nome!

            - Ronaldinho... quer dizer... Ronaldo. – suspirou, quase em paz.

            - Mas... Ronaldinho não é o nome de jogador?? – havia um tom de riso no tom da menina...

            Confuso com a pergunta, sem entender o significado, olhou para a menina...

            ... e foram os olhos luminosos dela que o fizeram compreender...

 

 

 

           

 

 

 

TECER

 


Tecer fios,

Tecer teias,

Tecer destinos,

Tecer caminhos,

Tecer doçuras,

Tecer sonhos...

 

Tecer...

Desfazer,

Refazer,

Tecer mistérios,

Tecer...

Reviver,

Tecer...

Renascer...

terça-feira, 22 de junho de 2021

Sapatinhos Azuis - meu 6º livro infantojuvenil

 

 

 

 

 

 

 

 


 



 


            Não eram os sapatinhos de Cinderela, daquela Cinderela dos contos de fadas, não. Estes me foram prometidos quando nenê. Não por uma fada-madrinha, mas sim por uma  vizinha prá lá de esquisita, moradora da casa da esquina. Moradora era força de expressão. Na verdade, a mulher não tinha paradeiro fixo, vivia sozinha e andava sempre caminhando pelas ruas, esquisita como ela só.

            Mamãe fechava o rosto assim que ela se aproximava de nossa casa e ficava de sobreaviso, caso a vizinha tomasse alguma atitude violenta. Porém, a mulher parecia pacífica. Trazia, constantemente, nas mãos magras e murchas, um punhado de flores e  distribuía-as pela vizinhança. Dessa forma, acabou mesmo conquistando o coração resistente de mamãe. Isso tudo aconteceu antes do meu nascimento. Por esses dias, a vizinha criou raízes em sua residência e, muito raramente, saía a oferecer flores pelas casas do bairro. Aliás, eram flores azuis, o que provocava a desconfiança dos vizinhos de que ela tingia as pétalas com corantes azuis.

            O fato estranho, segundo conta mamãe, deu-se no dia em que nasci. Com dores absurdas e já carregando a maleta com minhas roupinhas, mamãe levou um tremendo susto ao deparar com a vizinha no vão da porta, espiando-a. O coração não ajudou em nada e ela, ansiosa e agitada, começou a gritar por papai. Todavia, a mulher não se intimidou. Firme, encarou mamãe. Em seguida, num gesto inesperado, estendeu-lhe uma flor de pétalas azuis:

            - Coma... vai ajudar no parto.

            Minha mãe revirou os olhos, achando que a outra havia mesmo enlouquecido. Comer pétalas?! Se o momento não fosse tão trágico, ela teria gargalhado... Onde já se viu tamanha asneira? E o papai que não chegava...

            A vizinha sorriu, enigmática, e tornou a dizer:

            - Coma... as dores irão passar logo. – depois dessas palavras finitas, sumiu. Mamãe ficou ali, grávida e dolorida, a segurar a flor entre os dedos trêmulos. O que ela fez, então? Abriu a boca e tornou a gritar por papai. Gritou... gritou... gritou... e, de forma brusca e surpreendente, engoliu as pétalas da flor de uma única vez! Glup!! Não sobrou nada! E... a dor passou, como por encantamento... E eu nasci: gorducha, rosada, risonha ... e com gostinho de pétalas azuis.

            Por incrível que pareça, até hoje, quando fala do que ocorreu, mamãe não sabe dizer o sabor dessas pétalas. Seriam mesmo medicinais? Mas, o que importa? Eu crescia saudável, pronta para dar os primeiros passinhos. Só ao completar dez meses, é que a vizinha tornou a aparecer em nossa casa. Chegou de repente, no momento em que mamãe me embalava no berço, junto ao jardim florido. Veio de mansinho, pé por pé e, como sempre, pregou o maior susto na mãezinha. Então, olhando para mim, falou com sua voz de brisa:

            - Ninita, vou dar a você um par de sapatinhos azuis. Sim, de sapatinhos azuis!

            Mamãe não conteve o riso ao observar aquela figura exótica debruçada sobre o meu berço enfeitado de rendinhas:

            - Sapatinhos azuis? Ninita? Esse não é o nome de minha filha! Ela se chama Rita.

            A outra apenas encolheu os ombros:

            - Ninita será seu apelido. Ficará gravado em seu destino. E ela gostará do meu presente. Será sua proteção contra as maldades do mundo.

             Mamãe continuou a rir, incrédula:

            - Por que minha filhinha iria precisar de sapatinhos azuis? Ela tem tantos pares novos e bonitos! Diga-me: a senhora é louca?

            Sei, mamãe pegou pesado dessa vez. Porém, não houve a mínima reação no semblante da mulher ao ouvir a pergunta. Permaneceu quieta, a olhar-me dormindo no berço; um bebê alheio ao que estava se passando no mundo exterior. Mas o olhar da mulher era tão doce, tão cheio de afagos... Mamãe sentiu-se arrependida do que havia falado. Bem, talvez a vizinha fosse mesmo uma boa pessoa!

             Vários  minutos se passaram... por fim, a vizinha levantou os olhos. Fixou-os, em silêncio,  no rosto jovem  de minha mãe. Por muito, muito tempo...

            Até que falou:

            - Porque ela é Ninita e terá os sapatinhos azuis para protegê-la sempre! – sorriu com bondade. Ia retirar-se, mas pareceu lembrar de algo:

            - Ah, sim, por toda vida. Eles aumentarão, conforme ela crescer. Outra coisa: caso eu não esteja mais aqui, os sapatinhos poderão ser encontrados no jardim, junto às flores azuis...

             E partiu, deixando mamãe confusa e perplexa.

 

 

 

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             Os dias, os meses vieram sem pedir licença e eu continuei a crescer: alegre, rechonchuda e sapeca... Minha mamãe esqueceu da vizinha. E ninguém mais recebeu visitas inusitadas e não houve flores ofertadas de lar em lar. Mamãe não contara à papai sobre os sapatinhos azuis. Acreditara ser uma grande idiotice da pobre mulher.

            Próximo à data do meu aniversário de dois aninhos, em uma manhã de céu azul, papai e mamãe receberam uma visita: era Seu Antunes, o vizinho falante da rua. Trazia o jornal local embaixo do braço. Mostrou a meus pais certa notícia. Depois de conversarem baixinho por algum tempo, Seu Antunes despediu-se. Papai trocou um olhar profundo com mamãe e saiu da sala,deixando-me aos cuidados dela. Esta, pensativa, colocou-me em seu colo e alisou meus cabelos com carinho:

            - Quem diria, filhinha, aquela mulher estranha morreu. Ainda me lembro dela vagando pelas ruas...  recordo de suas flores de pétalas azuis... Agora, ela se foi...

            Olhei para minha mãe, sem compreender suas palavras. Apenas sentia que ela estava triste e queria confortá-la com meus braços miudinhos...

            Na tarde desse mesmo dia, uma placa bem grande e vistosa, quase na calçada, indicava que a vizinha não mais voltaria de seus passeios encantados. O dizer “vende-se” prometia isso.

            Mamãe levou-me para o jardim. Meus pés de criança saborearam o prazer de pisotear na grama verdinha e espiar o voo gracioso dos passarinhos. Fiquei por longos  minutos  nesse entretenimento, sem lembrar de mamãe. Uma borboleta amarela pousando pertinho de algumas flores azuis chamou minha atenção. Fui até lá espiar, curiosa. Mas não era a borboleta que estava descansando entre as flores. Arregalei os olhinhos e gritei com a força de meus quase dois anos:

            - Mama! Mama!

            Mamãe surgiu correndo e parou bem ao meu lado. Apontei com o dedo gorducho. Ouvi a respiração forte dela, depois..

            - Deus, de onde surgiram estas flores azuis?!

            Continuei a mostrar, muito alegre, já disposta a bater palminhas:

            - Mama, mama! Ali!

             Ela olhou na direção que eu apontava. Encostado junto aos caules elegantes das flores azuis havia um par de sapatinhos... azuis!

            A mãezinha segurou minha mão com tanta força que senti dor...

            - Ninita... – mamãe nunca me chamara assim antes! Ninita... ela cumpriu a promessa! Depois de tanto tempo! Os sapatinhos azuis... Meu Deus, ela cumpriu a promessa...

 

sexta-feira, 11 de junho de 2021

A rosa que se transformou em estrela - a história do meu primeiro livro.

 



Em um certo jardim, repleto de flores multicores e de variadas espécies que nem sequer podíamos imaginar surgiu uma perfumada rosa amarela. Poderia, à primeira vista, parecer igual a qualquer rosa amarela que conhecíamos. Mas aquela era diferente! Surgira numa manhã primaveril e desabrochara no justo momento em que o sol surgia no horizonte.

Ao despertar, abriu, preguiçosa, suas aveludadas e delicadas pétalas e suspirou feliz. Lançou um olhar na direção das outras flores e viu-as ainda adormecidas. O silêncio do jardim era profundo e, bem lá no fundo, ouvia-se o canto de um bem-te-vi. Muito alegre, a rosinha apressou-se a acordar as demais companheiras animada e risonha:

- Hei, acordem! Olhem, eu cheguei! Hei, eu cheguei!

Mas ninguém a notou, sequer despertaram do sono reparador. Desolada, a rosinha resolveu esperar, pacientemente, que elas acordassem. À medida que os minutos passavam, a rosa amarela impacientava-se. Ah, como gostaria de contar às demais florzinhas a felicidade que sentia por estar ali, bem no meinho delas! E em plena primavera! O sol, já não suave como no início da manhã, revelou-se cada vez mais ardente e parecia zombar levemente da agonia da rosa.

- Ih, ih, parece que você vai ter que aprender, amiguinha, que, neste jardim, acorda-se muito tarde! E piscou-lhe de maneira amistosa, meio maroto.

A rosinha sorriu, contente por conversar com alguém, principalmente com alguém mais velho que ela e, talvez, bastante sábio para lhe dar bons conselhos no novo lar.

- Ah, cheguei faz pouco tempo, Seu Brilhante! E queria conversar com minhas novas amigas... O lugar de onde eu vim tinha muita, mas muita escuridão e apenas os pequenos vermezinhos vinham brindar-me com suas visitas. Eram, sim, bonzinhos, porém, eu queria mesmo era nascer para vida! – e balançou as pétalas amarelas. Depois continuou, faceira:

 - Aqui em cima, Seu Brilhante, é só luz e cor a inundar a nossa vista! – curvou-se quase com reverência em direção ao sol que a escutava com atenção.

A admiração do sol era evidente ao falar, decidido, sim, a ajudá-la:

- Já sei o que posso fazer para despertar essas preguiçosas dorminhocas! Vou lançar meus raios mais fortes e elas acordarão ligeirinho!

E o sol estendeu seus raios em direção às flores sonolentas, semelhante a braços poderosos. Um calor insuportável fez-se sentir. Até a rosinha começou a suar abundantemente. Então, como por encantamento, cada flor daquele jardim começou a abrir os olhos. Algumas se espreguiçaram prazerosas, outras sufocaram um grande bocejo e, quanto às restantes, despertaram sacudindo as folhas verdes e lustrosas... Puxa, um quadro lindo de se ver! Um jardim que desperta! – pensou a rosinha, observando tudo com sofreguidão. O quanto Seu Brilhante era inteligente!

O sol, sempre risonho, recolheu seus potentes raios e falou, bem alto a todas as flores do jardim:

- Bonitas flores deste jardim: há uma nova companheira por aqui. Ela é muito suave e infantil ainda. Aprendam também a amá-la e ensinem a ela de que forma proteger-se de certos homens maus.

A rosinha comoveu-se com a gentileza dele e, com voz trêmula, prometeu:

- Seu Brilhante, haverá um dia, talvez nem muito demore que terei de partir. E, neste dia, implorarei ao Senhor da Natureza que me conceda um sonho apenas. Pedirei para não voltar ao seio da terra úmida, quero ser estrela, uma estrelinha a brilhar no firmamento e, muito a contento, espiarei lá do alto os humanos, os animais, as flores a desabrochar em cada jardim, em cada quintal deste nosso imenso Planeta!

O sol e as flores que a ouviam em silêncio bateram palmas assim que ela parou de falar.

Uma singela margarida branca não conseguiu deixar de comentar:

- Seja bem-vinda, ó suave e delicada rosa amarela. É claro que, com sua bondade e doçura, conquistará nossa amizade! Já é querida, eu sinto!

O sol vendo-a entregue a mãos tão compreensivas, afastou-se, devagarinho, deixando por ali apenas seus raios mais fraquinhos.

- Adeus, rosinha! Quem sabe, um dia, virá morar pertinho de mim, junto a este céu tão azul e amigo! Adeus...

Foi-se e a rosinha começou a sentir sua falta, havia simpatizado tanto com o Senhor Brilhante! Mas as flores coloridas e viçosas, agora, já despertas, não deixaram que ela ficasse triste e quieta. Puseram-se a falar, num coral todo animado, numa confusão de vozes que acabou deixando tonta a rosinha. Eram tão boas elas, as meigas e simpáticas flores daquele jardim!

Assim, passaram-se os dias, muito animados... Os pássaros logo se tornaram fiéis companheiros da rosinha, que os conquistara com sua docilidade. Quando Dona Chuva vinha banhar o jardim, com suas gotas fresquinhas, a rosinha se encolhia, bem de mansinho e adormecia, embalada pelo frescor das águas de Dona Chuva. A rosinha não esquecia nunca de agradecer pelo banho gostoso ao Senhor da Natureza!

Então, um dia, depois de muito, muito tempo, o jardim amanheceu entristecido. Olharam para o lugar onde vivia a rosinha e o que avistaram trouxe um choro sentido. A frágil rosinha amarela se fora, partira quietinha, tombara de lado, caindo sobre a grama verdinha. Havia ela retornado a terra, a qual tão escura achava? Que fim levara a amiguinha estimada? Por que tinha partido tão cedo daquele jardim, do lugar em que tão amada era? O Senhor da Natureza iria mesmo transformá-la numa estrela?

Aguardaram, com ansiedade, o cair da noite. Não dormiram, com os olhos grudados na abóbada estrelada. Enfim, depois de longos, angustiosos momentos, foram surpreendidas com o aparecimento de uma luminosa (maravilhosa!) estrela! A estrelinha parecia querer despencar lá do alto tal a sua animação! As flores do jardim ficaram em dúvida: seria mesmo a rosinha? Foi, neste instante, lá do alto, que a estrelinha sorriu e o sorriso animado, pouco a pouco, mudou... em uma sonora gargalhada!! Elas, então, tiveram a certeza: a rosinha era mesmo aquela linda estrelinha lá no céu noturno! O bom Senhor da Natureza ouvira o pedido da florzinha e fizera dela uma brilhante e sorridente estrela!

                                     

 



quinta-feira, 3 de junho de 2021

VOZES DA ALEGRIA

 

Em um tempo de dores e incertezas, Lilo e seus irmãozinhos são os condutores da esperança através da música. É por meio do canto que a metamorfose acontece: “Alô! Alô! O sol brilhô”! E o cinza do sofrimento já não é mais lamento... Há bálsamos mornos banhando nossas almas: são as vozes da alegria.

 


Vozes da alegria


            Lilo caminhava e cantarolava baixinho. Os raios dourados da manhã azul, brincavam de esconde-esconde em seus cabelos castanhos.

            Lilo abraçava o dia... e a voz subia, beijando o sol, as nuvens e os pássaros:

             “Alô! Alô! Chegô! Chegô!

            O bichinho malvado passô!

            Alô! Alô! Meu sinhô!

            Chegô! Chegô!

            A cura chegô!

            E o corona vazô!

Alô! Alô!”

            No andar e cantar de Lilo, a máscara, quase sem cor, esticava, esticava e parecia querer acompanhar e marcar o compasso da voz canarinha:

            “Alô! Alô! Chegô! Chegô!”

            Rosto moleque, camisa aberta ao vento, olhos de estrelas, mãos e pensamentos leves e bordados de firmamento. E a canção caía em bálsamos:

            “Alô! Alô! Chegô! Chegô!

            Sô!

            Mexe o corpo, sinhô!

            Crê e confia, sinhô!

            Tem fé, sinhô!

            A pandemia passô!

            Alô! Alô! Chegô! Chegô!”

            Vizinhança toda ria e balançava a cabeça, acompanhando em exclamações o ritmo singelo, à passagem de Lilo pelos becos sem flores:

            “Este menino é um sábio!”

            “Voz de esperança!”

            “Este Lilo é acalento pra alma.”

             Daninha e Tonico, pequenos irmãos, às vezes sim, às vezes não, juntavam-se a Lilo em suas andanças melódicas pelas ruas e calçadas do bairro.

            Sardas no nariz, Daninha, dedos gorduchos, batia palmas...

            Tonico, pés voadores, magia no olhar, assoviava a cantoria cálida que o irmão Lili entoava...

            ‘Eta, que coral animado! – gritavam, entusiasmados, vovós e vovôs em quintais apertados.

            E os vira-latas, suados e despertos, dançavam valsas ao redor das crianças. Latidos, vozes purpurinas e luz...

             “Alô! Alô! Chegô! Chegô!

            O sol brilhô!

            Acorda, Seu Antão!

            Vem pra rua cantá!

            Chegô! Chegô!

            Não desanima, não!

            A tristeza passô!

            Alô! Alô! Chegô! Chegô!”

            E a esperança corria solta e líquida pelas casas, encharcando muros, móveis e pedras...

Lá longe, Lilo, Daninha e Tonico bordavam pétalas em cantos de alento...

Três crianças; três louvores; três amores...

            “Alô! Alô! Chegô! Chegô!

            Um dia novo raiô!”

 

 

           

 

 

 

 

 

 

           

CALMANTE - poema selecionado

 Calmante


Cresceram
madressilvas
e o quintal
encharcou-se
de girassóis...
- asas em flor
A dor,
o desespero,
as queixas,
os lamentos,
os tormentos
e os
ais...
Perderam-se
no vazio
azulado
dos dias
em nuvens...
- brumas de algodão
E a brisa
cor-de-rosa
e calmante
trouxe
o remanso,
o descanso,
o alento,
a esperança...
- nuanças de luz

                                                        03 de junho de 2021 

* Nesta poesia, a imagem que ilustra o poema é da Internet.

Poema selecionado para a Revista D-Arte, novembro/2022. 

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Poema selecionado "Brumas"

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