Os olhos da menina - conto selecionado



“Lembro-me de um episódio da minha infância, de um momento eterno,

  perdido no espaço-tempo...

um momento que  me modificou por completo...

 Eu era um menino apenas... ela... uma menina apenas...

mas o brilho que   havia em seus olhos acompanhou-me

por toda a  vida... a luz perene da alma dessa menina

não se extinguiu nem mesmo com a morte...”

 

 

            O dia pintava tons azuis. Flores perfumadas pontilhavam as alamedas verdejantes do parque infantil.

            A bola colorida pareceu surgir do nada – pássaro veloz – enquanto o grito abafado de uma menina cortava o ar morno da manhã ensolarada.

             O menino loiro saltou peralta e, com um único movimento flexível, agarrou o brinquedo antes que viesse a fazer novas vítimas. Com a bola bem segura embaixo do braço, já ia se afastar, quando a figura da menina – aquela em que a bola batera – chamou-lhe a atenção. Sentada no gramado, à sombra de uma árvore frondosa, ela folheava um livro: silenciosa, solene, concentrada... e linda!

            De repente, porém, a insegurança: devia pedir-lhe desculpas? Claro, a menina era linda. O tom amorenado da pele, os cabelos escuros... bela por demais! Esboçou um movimento de recuo e, justo naquele momento, a garota levantou os olhos do livro – olhos de um negro véu – e fixou-os nele. Depois, sorriu... Deus, o sorriso de uma deusa! – pensou, fascinado por ela

            - Oi. - ela falou de maneira simples.

            - Oi. – respondeu, ainda com a disposição de ir embora, pronto para desaparecer... No entanto, algo o prendia ali, perto dela.

            - A bola machucou você?

            Novamente, o mesmo sorriso...

            - Não, só me assustou.

            - Como é seu nome? – droga, por que lhe interessaria o nome dela?

            - Laura.

            - Mas...  Laura não é nome de menina branca? – arrependeu-se no mesmo instante. Dissera a maior besteira, isto sim!

            A menina balançou a cabeça, toda enfeitada de tranças. Um balançar suave e reconfortante. Quase um consentimento.

            - Meus bisavós vieram do Continente Africano. Eu e meus irmãozinhos nascemos em terras brasileiras. Mesmo assim, minha família tem um orgulho muito grande de suas origens. – ela lhe deu uma explicação que não pedira. Em seguida, silenciou.

            Então, ele entendeu o quanto fora tolo e preconceituoso! A resposta doce da garota mostrava o erro que cometera! Envergonhado pelo que falara, não sabia como romper o silêncio. Queria, na verdade, era fugir dela. As palavras, porém, escaparam com certo desespero...

            - Perdoa-me?

            Mais uma vez aquele sorriso... com uma certa ironia, desta vez.

            - Só se você me falar o seu nome!

            - Ronaldinho... quer dizer... Ronaldo. – suspirou, quase em paz.

            - Mas... Ronaldinho não é o nome de jogador?? – havia um tom de riso no tom da menina...

            Confuso com a pergunta, sem entender o significado, olhou para a menina...

            ... e foram os olhos luminosos dela que o fizeram compreender...

 

 

 

           

 

 

 

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