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terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Ninita - conto





            Ninita nasceu diferente. Pequeno ser lançado no mundo, sem defesa nenhuma. Nasceu e já se sentiu só.

            Ficou perdida em meio ao branco das paredes... sem afago, sem carinho, sem sorriso de mãe, sem dedos de bem-querer.

            Nasceu diferente a Ninita. Ninguém quis dela saber. Boneca rejeitada. Nasceu e saboreou solidão.

            Olhavam-na apenas, olhos secos de sentimentos. Ela... pontinho minúsculo no gigantesco hospital.

            Dias correndo no calendário, folhinha voando... E Ninita perdida na imensidão morna das horas...

            Mulheres de branco passando pelos corredores, acenando indiferença.

            Olhos abertos ao vazio, Ninita sorria ao acaso. Rostinho redondo, expectativa de dor. Na retina, a suave imagem de alguém, moça formosa, perfume de pétalas azuis...

            Ninita, então, ri. Ri para o teto cinza, ri para as paredes frias, ri para o piso de mármore. Testemunhas únicas de sua emoção.

            Os ponteiros do relógio marcam compasso, “em ritmo sagrado no infinito tempo”...

            E homens de branco, em marcha silenciosa, cadenciada, por salas decoradas de tons gélidos de amor...

            Ninita sonha. A moça ao seu lado traz aconchego ao coração. Solidão morrendo

de vez!

            O dia acorda sonolento. No quarto despido, o corpo inerte, aragem da morte. No lençol claro, a mancha azul de flores recém-colhidas...

domingo, 27 de dezembro de 2020

Belos tons - poema selecionado

 








Despem-se as árvores,

lentamente,

de suas folhas reluzentes

de verde...

Caem com suavidade

despojada

e vão forrar o solo,

formando um tapete

emoldurado pelos tons

dourados...

As folhas que ainda ficam,

pendentes dos galhos,

balançam...

... movidas pelos

ventos...

outonais...


Rodopios - poema premiado com Menção Honrosa

 






Rodopia

o vento

em movimentos

circulares...

rodopia,

levanta poeira

em ângulos

milenares...

 

Rodopia

o balão

a pintar

o céu cinzento

com pontinhos

de hortelã...

 

Rodopia

o chapéu

azulado

em zigue-zagues

audazes...

carrega

amores roubados

do último verão!

 

 

 

 

Versos perfumados



Rosas vermelhas,
alvissareiras,
rainhas da noite
em dias de luar..


Perfumam,
adornam
e pontuam odores...
... são estrelas cadentes
de amores viventes
à beira do mar!

 

Estrelinhas - conto selecionado


 





            Paulinho sempre acreditara em Papai Noel. Desde pequenino. Isso falando. Nem adiantava desmotivá-lo, fazer crer que Papai Noel era um mito. Paulinho é que não acreditava em palavras bobas! Coisas de adulto. Doidice. Mito? Ia lá saber o que era esse bicho? Pois se não era bicho, era mesmo doidice de gente cheia da bossa.

            E Paulinho jurava ter visto Papai Noel descendo pela chaminé da casa de Ritinha! Foi em noite de estrelas. Frio? Que nada! E quem disse que o nosso Natal vê neve branca? Neve só nos filmes de americano bem posto e feliz. Neve mesmo Paulinho nunca vira, mas teimava ter visto Papai Noel na casa de Ritinha! Mamãe ria um sorriso bondoso. Papai arqueava as sobrancelhas peludas. Mudo, mas preocupado. Maninho caçoava, fazia alarde, pura zombaria. Paulinho batia o pé. Não arredava ideia!

            E Ritinha era a única que acreditava no amigo. Firmeza no apoio. Menina doce, porém enxuta nos porquês. Amiga do peito! Desde sempre confirmara as palavras de Paulinho. Garota sem lisura, olhos postos na estrada, mesmo com idade verde.

            Natal vindo com seus passos manhosos, pregando entusiasmo na alma da garotada. Paulinho olhando Papai Noel pela chaminé da casa de Ritinha... Os pais da menina faziam cara de “nada sei” e diziam ser o Paulinho um moleque cheio de encantos e estrelinhas escondidas. Ritinha muita graça achava dos comentários deles e ficava a perguntar de que estrelinhas os pais falavam...

            Veja bem: Ritinha também era dada a encantamentos. Explosões de sorrisos e tranças voando ao vento em dias de sol. Pontuava a casa e o jardim com novas descobertas; luzinha acesa no dia a dia.  Tanta pena sentia dos adultos! ... “Fracos de sonhos” – dizia ela a Paulinho. Ao que este completava “Ideias cinzentas” – sinceridade a escorrer pelos dedos melados de doçura. Frases dos nove anos, cheirando à madureza precoce.

         Por isso, Ritinha sabia da verdade de Paulinho. Sangue sincero, ele. Ritinha acreditava em Papai Noel. Barbas brancas e gênio bom, o tal velhinho. De pés descalços ou não, criança é uma só, de qualquer jeito. Segredo. Papai Noel é que conhecia! Apenas o olhar de criança podia ver Papai Noel. Nem óculos adiantavam. Mistério para gente grande... Ritinha precisava pedir à papai para alargar a chaminé... e logo!

            Paulinho encontrara a touca de Papai Noel jogada no quintal... Com passos secretos

vinha o Natal...

 

 

 

 

A magia do Natal - poema premiado em 3 Concursos Literários

 




 

Paulinho não vai pular fogueira.

Não vai brincar de amarelinha,

não vai soltar pipas arco-íris...

Paulinho não vai saltar muros,

não vai subir em árvores de romã.

Não vai mover aeroplanos

ou barquinhos de papel...

 

Paulinho não vai correr

em aquarelas

atrás da cachorrinha Ametista

ou balançar folguedos

pelas ruas de dezembro...

 

Paulinho está à espreita!

da magia de Natal...

Olhos de lua,

estrelinhas no céu

da boca,

mãozinhas em valsa,

pezinhos em asas,

coração em pirilampos...

- Papai Noel vem vindo!

A magia do Natal

perfuma o ar...

 

 

Retrato - poema premiado em 2 Concursos Literários




 

 









Onde estão as pipas?

O riso da meninice

a bordar alegrias

nos parques alaranjados

dos domingos de sol...

- Onde estão?

 

Em que segundo,

na infinitude do tempo,

o Planeta Terra

envergou o manto

da dor?

E as estrelas

choraram lágrimas?

 

Onde estão

os beija-flores?

Onde estacionou

a esperança

cor-de-rosa

do arco-íris?

 

E o pipoqueiro

que pintava

aquarelas

nas avenidas azuis...

- Onde está?

- Onde?


  * Poema selecionado para a Revista Prosa & Verso e para a Revista Ecos da Palavra.

Sobre ser pedra - poema premiado

 











Deixei de ser mineral,

pedra e ágata,

transcendi minha alma.

E, de pedra bruta,

lapidei arestas,

defeitos, vícios e violência.

Na jornada do espírito,

elevei-me em vibrações

e luz...

Da pedra ao arcanjo.

Do cascalho ao anjo.

Do pedregulho ao sol.

Do mármore frio ao coração-amor.

 

 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Desolação - Conto

 





Na estrada coberta de poeira, a vegetação esparsa pintava com suas nuanças um quadro desolador. Por lá, muitos peregrinos passavam, em idas e vindas constantes, o suor escorrendo por suas testas morenas e bronzeadas. O sol inclemente fustigava cada planta e, às vezes, rompia-se algum caule, cansado da tortura dos raios solares. Por aquelas paragens, o verão era escaldante e o inverno, úmido e chuvoso, carregava em suas águas as memórias das agonias sofridas.

No meio de cada capim, cada moita de vegetação, os suspiros de angústia enchiam as tardes ensolaradas. Muitos pediam compaixão a algum viajante para, com ele, seguir adiante. Quem sabe, um deles não lembraria de arrancá-los e depositá-los em seus vastos alforjes à sombra finalmente? Mas corriam os dias, meses, anos e nada acontecia, apenas a poeira impregnava cada curva do caminho, a secura deixando feridas sangrentas no solo quase desértico. Muitas árvores de pequeno porte não tinham resistido e sucumbiram ao calor abrasante. Todavia, os arbustos e as moitas de capim que ainda se erguiam representavam a dureza do desafio contínuo à selvageria do dia a dia.

E, colada ao capim poeirento e opaco, como se protegida por seres alados, uma singela flor vicejava. Estava encolhida, porém escondida dos raios intensos do sol causticante. Esperava, também, a longos anos, pela chegada de alguém. Seria um viajante especial, vindo além do arco-íris, que a arrebataria do solo seco e desprovido de encanto para levá-la ao doce paraíso de novas ternuras. Quem sabe, a plantaria em solo fecundo, de terra fofa, num belo jardim, junto a novas flores multicores? Ou, então, a colocaria em um bosque perfumado, visitado por anjos celestiais?

Enquanto transcorriam os dias, impiedosos na sua vastidão, a flor sonhava com esse dia mágico. Um dia entre tantos outros de sua existência, porém único na vida bruta e desesperançada que levava. Muitos capins, já duros e retraídos pela idade, zombavam de sua ingênua esperança. Escondida como estava, riam ao vê-la sonhar em ser descoberta. O vento trazia até ela as gargalhadas irônicas da vegetação e o som misturava-se ao pó que se colava às pedras e às folhas sem ânimo. Tudo ao redor parecia esmagar as esperanças da flor: a paisagem escurecida pelo calor inclemente e pegajoso, esse mesmo calor que amolecia as folhas verdes recém-nascidas e endurecia ainda mais os capins e arbustos; o desdém de que era alvo pelas outras plantas e, ainda, a maldade que havia criado asas naquele lugar tão ressecado de alegrias... Todavia, sua fé era tão pulsante que ela resistia, frágil na aparência, resistente em seu âmago.

         E foi, em certa manhã, quando os raios solares despendiam chamas ardentes sobre as plantas sonolentas que uma caravana se fez visível na imensidão. Eram homens rudes e humildes, viajantes designados a acompanhar alguém especial. Marchavam vigorosamente, roupas empapadas pelo suor que lhes grudava na pele, olhos tingidos por uma luz indecifrável. Entre eles, destacava-se um homem alto, tez mais clara e, ao contrário dos demais – todos de olhos escuros como o breu da noite-, dono de pupilas quase douradas como o amanhecer. Vinha, tranquilamente, sem se deixar abater pela aragem sufocante ou pela secura da paisagem que os circundava.

Subitamente, afastando-se dos que o acompanhavam, estacou e olhou ao redor com atenção. Deixando os demais homens atônitos com sua atitude, abandonou, calmamente, a estrada pedregosa em que seguiam e adentrou por entre os capins e arbustos. Rápido, mas com determinação, procurou afastar com as mãos uma touceira de capim. Porém, o capim não cedeu, mantendo-se firme no propósito de esconder algo muito próximo de si. Mas o Homem não desistiu, com ternura afastou o capim que teimava em  se fechar orgulhosamente...

Então, num raro momento de beleza, eis que surge a formosa flor, semelhante à pérola incrustada na concha endurecida. Com infinita delicadeza, ele a arranca da terra despida de aconchego. As pétalas agitam-se, aprovando o gesto delicado e sublime. Levando-a até os outros homens, agora silenciosos, guarda a flor em um grande bolso na túnica listrada. A aveludada flor sabe que, enfim, haveria um lugar para ela no jardim que tanto sonhara! Sua longa espera não fora em vão... A caravana seguiu, passo a passo, enquanto mais um dia se despedia no horizonte...  Um dia como tantos outros dias... mas único na vida de uma flor...

 

 

 

 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Os olhos da vovó - conto premiado com Menção Honrosa

 

 





      Maninho entrou em casa tão rápido que acabou derrubando a cadeira colocada por vovó bem no meio do corredor. Vovó era assim: adorava colocar coisas espalhadas pela casa. E que coisas bizarras eram, na maior parte das vezes! Mas, ultimamente, vovó tinha se superado: mexia como os móveis da casa! Um dia, uma mesa perto do banheiro; outra vez, um sofá em pleno jardim! Mamãe ficava furiosa, porém era dotada de uma alma doce e repleta de nuanças calmantes. Diferente de papai, que só faltava arrancar os últimos fios de cabelo quando via as estripulias que vovó inventava. “Coisa de gente louca, mamãe endoideceu”- dizia, lamentando, à família. Mamãe sorria e, com a ajuda de Maninho, colocava tudo novamente no devido lugar...

                        Lembrava de uma ocasião em que papai quase desfalecera com as atitudes de vovó. Isso quase sempre acontecia, pois, no fundo, papai não compreendia bem a velhinha. Recordava: era domingo, a família reunida: tios, primos, o churrasco pronto para ser assado... O cachorro latindo no fundo do quintal, os vizinhos com os olhos arregalados... Família é assim mesmo quando se junta: é um Deus nos acuda! No meio daquela algazarra toda, esqueceram da vovó! Foi Maninho quem lembrou dela:

            - Papai, cadê a vovó?

O pai, pronto para servir o refrigerante aos primos e ao tio Mário, não ligou muito:

            - Sei lá, Maninho, deve estar no quarto, ora...

            - Chame ela, Maninho! Quero dar um abraço na mamãe! Estou com saudades daquela velhota excêntrica... - disse tio Mário, pegando o copo que papai lhe estendia.

            Maninho não sabia direito o que significava excêntrica, mas correu até o quarto da vovó. Assustou-se ao notar o quarto vazio, sem sinal dela. Ué, onde estaria a vovó?

            Procuraram por toda a casa, o jardim... tios, primos, todos em polvorosa! Nada... até que o latido insistente  e agoniado do Bolota assustou a família. A irmãzinha, meio bamba das pernas, correu, afobada:

            - Maninho, ligeiro! É o Bolota que tá latindo furioso. Corra, Maninho!!

            O restante do pessoal seguiu a irmãzinha... Lá estava o canil. Bolota latia como um possesso! O canil era espaçoso, havia lugar para mais um cachorro, mas Bolota era, naquele momento, seu único habitante. Quer dizer, neste instante, havia mais ocupantes lá dentro. Maninho quase não acreditou no que viu! Os tios, primos romperam em gargalhadas! Papai e mamãe olharam, aturdidos e sem fala...

                        - Meu Deus, vovó! O que a senhora está fazendo aí dentro, sentada nesta cadeira de balanço? – Maninho chegou perto do canil, não sabia se ria... Não entendia direito o que vovó queria provar, desta vez.

             A velhinha olhou-os e sorriu de forma misteriosa. Depois observou tio Mário, a esposa e os pequenos. Simplesmente ignorou papai, mamãe, a irmãzinha. Foram breves minutos, depois se encolheu no seu mutismo. Bolota é que não despregava os olhos de vovó e continuava a latir como um doido. Queria expulsar vovó de seu lar o quanto antes! Porém, ela nem ligava. Embalava-se suavemente em sua cadeira de balanço... pra lá... pra cá.. pra lá... pra cá...

            Papai perdeu a paciência e segurou a cadeira com força. Vovó olhou-o assombrada. Maninho tentou acalmar papai e, depois, falou para a velhinha:

            - Vovó, por favor, olhe pra mim! O que a senhora está fazendo no canil do Bolota? Venha, vamos sair daqui!

            Vovó sorriu novamente, fascinada pelas palavras de Maninho. Mas foi para papai que ela se dirigiu:

            - Pedro Afonso, finalmente, parece que está notando que a vida não se resume a papel e caneta. Precisa enxergar o mundo real em certas ocasiões... Preciso puxar-lhe as orelhas mais seguido!

            Papai abriu a boca para dizer algo, de repente, porém, sacudiu a cabeça e, desnorteado, afastou-se do canil, levando mamãe em seu encalço.

            Tio Mário e tia Amélia ouviam a vovó, estarrecidos. O tio suspirou, alto:

            - Vá, mamãe! Já está na hora de a senhora deixar essas bobagens de lado. Mãe, a senhora tem 89 anos! Não é uma criança e nem pode agir como uma menininha tola!

            Vovó levantou o braço e pediu silêncio:

             - Meu filho, segure esta língua! Você também é outro que precisa afastar o véu dos olhos. Vive como um caramujo, fechado em seu mundo hipócrita. Aliás, devo fazer uma visitinha a meus netos e à Amelinha. Qualquer dia. Até pensei em mudar certas coisas naquela casa cheirando a mofo! Que tal... – Mário segurou a mão da esposa, puxou as crianças e quase saiu correndo, enquanto dizia:

            - Deus me livre, mamãe! Fique longe da minha casa. As crianças e a Amélia estão muito bem sem as suas visitas... Vamos, crianças, vamos depressa... Aliás, vamos é embora, o almoço fica para outro dia... Venha logo, Amélia!!

            E praticamente fugiu, levando os filhos e a esposa em desabalada corrida pelo pátio.

            Vovó riu mansamente, com os olhos postos na família que ia longe...

            - Coitado do meu filho! Pobre dos meus netos! Que mundo cinza eles todos vivem! Tenho dó das crianças, ficarão iguaizinhas ao pai. Levantou-se, repentinamente, enquanto olhava Bolota com os olhos brilhando:

            - Bolota, hoje à noite volto, farei companhia a você. Quero ver as estrelas...

Maninho e a irmãzinha sufocaram o riso: vovó enxergava coisas que ninguém via!


Conto selecionado para a Revista Barbante - 2020




           

 

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Proteção

 


 

O manto

suave

da noite

cobre

e

encobre

a Terra...

 

 

Pipocam

alaridos

de estrelas

cadentes...

 

 

Sonham

os vaga-lumes...

 

sábado, 21 de novembro de 2020

Recomeços

 




Em esperanças
e galanteios,
fiz de cada
valsa
o recomeço.

Vesti roupas
lilases,
congelei sorrisos,
calcei sapatos
de lua,
cobri-me de pó
de rosas...

... enquanto os girassóis,
sonolentos,
aguardavam,
em suspiros,
a hora de abraçar
o nascer do sol...




sábado, 31 de outubro de 2020

Travessia - poema selecionado

 





Luzes de espera

Lanternas aladas

Solidão opaca

Ruas negras

Amores cinza

Ventos mudos

Fantasmas

e noites sem lua...

 

Passagens

   travessias...

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Menininha

 



 

Perfumaram

os dias

da menina Rosaura

e espalharam minosas

lembranças

nos lençóis decorados

do ursinho Puff.


A infância,

pueril e cor-de-rosa,

beijou feito brisa

os cabelos encaracolados

e pintou flores

no vestido rendado

da garotinha.


O sol brincou

luz

e esconde-esconde

no riso

azul

da menina Rosaura.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Canção

 


 


CANÇÃO


“De borco no barco. (de bruços no berço...) O braço é o barco. O barco é o berço. Abarco e abraço o berço e o barco. Com desembaraço embarco e desembarco. De borco no barco. (de bruços no berço...)”.

Através da leitura e do trabalho com poemas, em nossas escolas, ofertamos aos alunos a inigualável capacidade de sonhar: evocar situações já conhecidas, “quebrar” com a rotina das mesmices da arte de educar, propor à criança atividades que motivem a sair do “trivial” e abraçar o “irreal”...

Partindo dessa reflexão, tomamos como base o belíssimo e nostálgico poema “Canção”, de Cecília Meireles. O título já é bastante sugestivo e logo nos surgem imagens povoadas de lirismo e acalanto: nossas mães embalando-nos suavemente nos braços, ninando-nos amorosamente; o breve e suave murmúrio de seus lábios mansos, produzindo o som levíssimo de uma cantiga de ninar. A poetisa relembra, em seu poema, a nostalgia, o sonho e a suavidade do ato de embalar. Tudo isso vem justificado pelo ritmo cadenciado, embalador, com versos que possuem acentos nas mesmas sílabas: “de borco no barco (de bruços no berço)”.

Dessa forma, temos a presença da musicalidade, como se o embalo ganhasse vida em cada verso. É como se ouvíssemos, sentíssemos em nossa alma o ritmo de um embalo doce, meigo, quase oscilante... No jogo de palavras, brinca a poetisa, fazendo dos braços imaginários o barco a navegar; fazendo do próprio barco, o berço a balançar... Desse jogo interessante misturam-se e entrelaçam-se palavras do universo conhecido do espírito infantil: braço/barco; barco/berço. As imagens são fortes, vívidas, embaladas ao ritmo da canção.

Assim, no poema “Canção”, existe um eu que expressa o estado da alma: a lembrança, o sentimento de nostalgia, recordação de uma época de meninice, os embalos nos braços da mãe... Os embalos do berço a balançar... São lembranças, saudades, do abraço, do berço, da ação de abraçar, aninhar-se, um total “embarco” e “desembarco” do berço da infância. Então, a melodia que soa, a voz que sussurra, o ritmo que acaricia, nina, sustenta... “Doces saudades da infância!”.


Texto publicado na Revista Entrelinhas - Curso de Letras - Unisinos

 

 

 

 

 

Meu poema em destaque

Poema selecionado "Brumas"

  Poema selecionado Revista Bsrbante abril 2024