“Lá fora, grita o vento minuano...
bailado gélido de assovios dançantes...”
Nos
dias de inverno, “frio de renguear cusco”, vovó teimava em se abrigar às
sombras dos enormes jacarandás que circundavam a casa. Não adiantavam os
protestos indignados dos filhos e netos. Vovó afirmava saber o que estava fazendo
e que não tinha mais idade para ouvir sermões.
E
lá ia a velhinha, em seu xale de lã desbotado pelo tempo, sentar-se junto aos
jacarandás desfolhados pela friagem excessiva do inverno.
Vó
Sabina – como era carinhosamente chamada – passava horas sob o aconchego gelado
das tardes cinzentas, embaixo dos velhos jacarandás e não parecia sentir a
passagem dos ponteiros do relógio. Os que a viam de perto juravam que ela
conversava baixinho com alguém imaginário. É como se dialogasse com as próprias
árvores; como se falasse para os quero-queros encolhidos pela paisagem pintada
de gelo.
Maria,
a filha mais nova, no início, até acompanhara a mãe nessas incursões, porém com
o inverno batendo à porta, preferiu abrigar-se no aconchego quente de seu lar.
Para ela, a mãe estava com as ideias confusas e com propensão a adquirir uma
doença grave exposta daquela maneira ao ambiente enregelante. Em outra estação
mais quente até se poderia entender o hábito estranho da mãe, no entanto,
agora...
Ninguém
compreendia o costume inusitado da vó Sabina e toda tentativa de demovê-la era
em vão. Maria, todavia, não cansava de se preocupar com a mãe! E a velhinha
apenas sorria, enigmática e risonha:
-
Não te preocupes tanto assim, Maria! Não é o frio gaúcho que vai me matar! Preciso
filha, estar ali, bem ali, à sombra dos jacarandás! Preciso ver a vastidão azul
do meu Pampa amado! Filha, nada me assombra; nada me verga, nem o vento minuano,
nem a geada inclemente!
Maria
olhava-a incrédula:
-
Mas mãe... Estamos vivendo um dos piores invernos do Sul! Os jacarandás nem mais
flores têm... e muito menos nos dão sombra! Vem ficar conosco, agasalhada e
protegida dentro de casa! Tu até pareces doida com estas atitudes rebeldes!
Vó Sabina
suspirava e apenas murmurava sem dar a mínima atenção aos conselhos da filha
caçula.
- Te
acalma, Maria! Não é doidice; é sabedoria!
-
Meu Deus, que sabedoria? Minha mãe, queres morrer congelada? Olha bem, mesmo os
quero-queros já se recolheram por causa do frio!
Os
argumentos não surtiam os efeitos desejados, aliás, nenhum efeito! E a idosa
senhorinha continuava com seus diálogos estranhos à sombra dos pés de
jacarandá...
A
família apenas intuía de relance que havia algum fato muito intenso, misterioso
que movia os passos de vó Sabina sempre na mesma direção, dia após dia...
Então, depois de um acordo mútuo, os filhos
decidiram agir de forma radical, quase em uma atitude de desespero, com o
objetivo de acabar com as esquisitices da velhinha. Derrubaram os pés de jacarandá...
um a um! “Choraram os quero-queros”.
Decisão difícil, pois nutriam sentimentos nostálgicos pelas árvores antigas e
companheiras da infância de cada um deles!
No
dia seguinte à derrubada dos jacarandás, amanheceu um dia frio e de céu
azulado. Os primeiros odores da primavera faziam-se sentir no ar... Primavera
no Continente; flores perfumadas nos verdes campos do Rio Grande do Sul!
Surpreendendo
a família, vó Sabina, naquela manhã, não saiu. Enquanto os filhos se
entreolhavam, rostos ansiosos, ela falou com voz calma e melodiosa:
-
Filhos amados, não havia necessidade de matarem os jacarandás! Não eram eles os
responsáveis por minhas atitudes extravagantes. – fez uma breve pausa, depois
continuou com doçura e um estranho brilho no olhar:
- Porém,
agora que os jacarandás não existem mais e não os verei florir novamente... já
posso partir. A primavera me encontrará em outro lugar... um local mais próximo
de Amadeu. Necessário foi que os jacarandás morressem para que eu pudesse
florescer... - e afastou-se, muito digna, sem que os filhos pudessem detê-la.
Na
sala, só o silêncio de pessoas totalmente confusas e apavoradas... Amadeu, o
pai, falecera há mais de 50 anos...
Ao
nascer da aurora, vó Sabina partia mansamente... para um lugar onde, por certo,
os jacarandás não morrem jamais!
“Lá fora, chora o vento minuano... lágrimas em pétalas
a escorrer pelos verdes pampas...”
“Lá fora, canta o vento minuano... melodias saudosistas
de um tempo de outrora...”
“Lá fora, em revolteios melódicos, rodopia o vento
minuano... serenatas nostálgicas a recordar amores perdidos na infinitude do
tempo...”
* Conto selecionado para a página DE GALPÃO, Facebook - no Concurso Novos Contos Gauchescos, em janeiro de 2021.
* Imagem da Internet.
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