Mais
um Natal. Um dia de sol gorducho e de muitas pessoas transitando pelas ruas e
avenidas: faces ocupadas, ansiosas, alegres, tristes, crispadas, suaves,
felizes... Olhares de pressa; olhares luzidios encharcados de presságios
natalinos. Esquinas “borbulhando” de vida e sons. Mãos fortes; mãos frágeis;
mãos fagueiras; mãos ligeiras; mãos faceiras... segurando e exibindo sacolas, caixas, pacotes
múltiplos e coloridos.
Mais um Natal. E Lilo caminhava,
cabisbaixo, pensativo... Observava o vaivém da multidão e a beleza eufórica das
vitrinas luxuosas decoradas com enfeites de Natal.
Mais um Natal. Mas, para Lilo, o
Natal não chegava a ser real. Simplesmente, não existia. Ou, quem sabe, para
ele, o Natal só existisse como um sonho distante, inacessível... E as
gargalhadas dos vendedores e lojistas, o riso florido das crianças eram apenas
o burburinho melódico de um mundo de fantasias.
Mais um Natal. Ou então, talvez, o
Natal estivesse pintado naquele Papai Noel que acabara de cruzar a rua em
acenos e sorrisos leves? Roupa vermelha, barba morna e longa... E a magia do
Natal derramava-se em matizes cálidos sobre a figura natalina. Posicionado à
frente de grande Magazine, ele distribuía balas e afetos à garotada. Lilo
esboçou um sorriso em pétalas amarelas...
Mais um Natal. Risadas, alegrias,
zombarias... e a criançada se dependurava às pernas do Papai Noel. Nesse
instante, o coração ainda infantil de Lilo bateu esperançoso na ânsia de também
ganhar algumas balinhas. Ensaiou uma aproximação na direção do bom velhinho,
mas algo o deteve. E quem disse que Papai Noel o enxergaria?
Mais um Natal. Vencendo a própria
timidez, Lilo chegou bem pertinho de Papai Noel e ficou ali, olhando,
reflexivo. Os meninos e meninas, irritados, empurraram-no com violência.
Olhavam-no desconfiados: quem era o garoto que furara a fila? A roupa desfiada
e a touca de lã barata, cobrindo parcialmente os cachos castanhos, inspiravam
apenas piedade, revolta e certa repulsa por parte das crianças.
Mais um Natal. Papai Noel notou a
presença imóvel do garoto ao seu lado e, também, os protestos da meninada em
tentativas vãs de afastarem Lilo. Num movimento inesperado e espontâneo (que
causou um misto de espanto a ele mesmo!), entregou a Lilo um grande pacote de
balas. Sorriu-lhe com bondade. Eram tantos os pequeninos a perambular,
ultimamente, pelas ruas da cidade! Lilo agarrou o presente quase com violência
e, depois, agradecido, deixou os olhos rirem, quase felizes. Dos lábios, um
trêmulo “muito obrigado” fez-se ouvir e pincelou a manhã azul de pontinhos
dourados. Na alma, o bom velhinho sentiu a emoção e a suave luz que esse garoto
irradiava. Misto de alegria e gratidão banharam as faces pálidas de Lilo...
Mais
um Natal. Enquanto isso, o número de garotinhos e garotinhas crescia ao redor e
a gritaria tornou-se estrondosa! Abaixou os olhos, alegre, para uma criança
que, bem esperta, teimava em lhe puxar as calças largas.
- Menininha, o que foi?
- E agora? – disse, queixosa. O
senhor entregou todas as balas pro menino pobre! E nós? Vamos ficar sem as
balinhas?
Papai Noel segurou a barriga enorme
e riu, conciliador:
- Não, não vão ficar! O Papai Noel
aqui tem muitos saquinhos de doces! Nem você, nem seus amiguinhos ficarão de
mãos vazias!
Mais um Natal. E, quando o bom
velhinho procurou por Lilo novamente, o garoto desaparecera. Triste, muito
desapontado, Papai Noel considerou que deveria ter feito mais pelo
menino... o menino dos olhos doces...
A sapeca criança, nesta hora,
tentava agarrar-lhe as barbas e ele, afastando os pensamentos incômodos, pegou
a menina no colo e disse:
- Crianças, vou contar a vocês uma
linda história, sobre um Papai Noel que vivia lá no Polo Norte...
** Conto selecionado para a Antologia A magia de Natal - Webtv/dezembro/2022
** imagem da Internet.
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