Bruxa
Onilda mexia o caldeirão com deleite! Colocara muitas mosquinhas pretas na
mistura e esperava que ficasse deliciosa para seu paladar exigente.
Mexeu,
mexeu, até que o caldo cinza e malcheiroso adquirisse consistência pastosa.
-
Saboroso de nojento! Eca!!
Satisfeita,
espiou com o canto do olho a obscuridade do fundo da caverna. Tudo quieto, um
silêncio que parecia gritar na noite escura como breu.
Suspirou,
resignada, e deu uma última mexida no caldeirão. Precisava não demonstrar tanta
ansiedade pelo sumiço da bruxinha Vanilda. Ela sempre desaparecia na calada
noite... E na calada do dia também!
O
uivo de um coiote atiçou a alegria que havia ido embora ao pensar na filha. Com
bons prognósticos, terminaria logo aquela poção e daria início às tantas outras
que haviam lhe encomendado. Faria uma pior que a outra e imaginou a euforia das
bruxas velhas ao vê-la chegando para entregar os vasilhames com a poção
enfeitiçada e amarga!
Mas
o encanto que a bruxa Onilda sentira só de lembrar nas maldades que as suas
poções espalhariam, foi bruscamente quebrado no exato momento em que a filha
apareceu no seu campo de visão.
Sorrateira,
pensando que a mãe não reparara nela, bruxinha Vanilda decidiu desaparecer o
quanto antes nas sombras da caverna!
O
grito histérico da mãe, antes tão calma, ao enxergá-la passar quase invisível
ao seu lado e, ainda por cima, carregando um ramo de flor entre os dentes, fez
com que a filha parasse de súbito! Todavia, não havia medo na postura com que
enfrentou bruxa Onilda! O olhar era puro, gélido e firme.
-
Vanilda!! O que você está tentando me esconder? Aliás, eu sei o que é! Tire
essa flor imunda de sua boca e fale!!
Os
olhos negros da bruxinha brilharam, irônicos, enquanto calmamente ela segurava
o ramo de flor entre os dedos:
-
O que foi, mãe? A senhora falou comigo?
Furiosa,
a bruxa mais velha largou a colher de madeira com a qual vinha mexendo a poção
e, praticamente, berrou a plenos pulmões:
-
Que foi? Que foi? Que... foiiii? Como ousa, menina, perguntar isso! É o que
estou pensando? Em plena escuridão, você foi colher essas flores malditas?
Responda!!
Num arremedo de riso, quase maliciosa, a
bruxinha enfrentou a mãe:
-
Ora, ora, mãe! Esqueceu que eu também sou uma bruxa e não tenho medo de noites
escuras ou flores malditas? Eu, minha mãe, já domino a magia!
-
Magia, bruxa Vanilda? Magia?? Afinal, você é uma bruxa ou fada? Bruxas fazem
feitiço, Vanilda! Feitiço!!
A
bruxinha não se intimidou com o tom cada vez mais rude da bruxa mãe. Desde
pequena, escutava-a com paciência. Descobrira desde cedo que sua vontade, seus
desejos, seus sonhos eram contrários aos da mãe. A flor de miosótis em suas
mãos comprovava apenas a ânsia de sua alma! E a bruxa mais nova também sabia o
que o ramo de miosótis poderia fazer com todas as bruxas e bruxos. Decidiu,
então, que iria pôr em prática o imenso poder que a miosótis carregava em suas
delicadas pétalas: o de transformar o lado negro, macabro, dolorido, em
luminosidades de paz, serenidade, alegria, amor!
Bruxa
Onilda não imaginava os pensamentos da filha, porém seu coração intuía que as
atitudes da bruxinha causariam grandes e irremediáveis problemas!
O
silêncio de Vanilda acabou por incomodar a mãe que, mais uma vez, avisou,
raivosa:
-
Bruxa Vanilda, você sabe muito bem o que essa asquerosa flor azul pode nos
causar! Sabe que apenas a miosótis tem a capacidade de destruir, pulverizar,
acabar mesmo com nossas maldades! Por isso, que a chamam de flor do bem... flor
da luz...
E
prosseguiu, agora, como uma ordem:
-
Portanto, suma, desapareça com essa flor da minha frente! Você é uma bruxa,
Vanilda, não veio ao mundo para fazer magias!
Mas
Vanilda, muita segura de si, verdadeiro espírito de solidez, replicou
prontamente:
-
Sim, eu sei do enorme poder da flor! E pode apostar, mãe, eu vou usá-la para
fazer o bem! – e após quase gritar as últimas palavras, a bruxinha afastou-se
correndo, perdendo-se na noite sombria, áspera, e cheia de ruídos estranhos...
Bruxa
Onilda ficou sem reação, estupefata, completamente inerte diante das palavras
da filha... até mesmo sua poção maldita perdera o encanto para ela!
Na manhã seguinte, foi só ao
despejar o líquido da poção em vasos de barro podres que ela teve toda a noção
do estrago que a filha fizera: a mistura parda e carregada de malefícios havia
se transfigurado em perfume de odor delicado, sutil, coroado de flores azuis...
miosótis...
Neste instante, bruxa Onilda
teve a visão que a perseguiria até o fim de sua traste vida: a filha não
voltaria jamais; não agora que se descobrira propensa à magia, à beleza, aos
bons sentimentos... Não agora que a alma de Vanilda conhecera o poder de
transformar maldades em gestos bondosos... Não agora que a bruxinha reconhecera
ser mais fada do que bruxa...
E
bruxa Onilda sangrou toda sua dor aos pés da flor do bem... miosótis.
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